A história das Vinhas de Cabeção

Em viagem literária ao século XVI ficamos a saber que a Vila de Cabeção, marcada a sul pela ribeira da Raia e a norte por terras de Avis, estava dividida em pequenas propriedades, a maior parte delas com não mais do que um hectare. Aí se cultivava predominantemente cereais, mas quando as condições de rega o permitiam também se plantava vinha.  Foi talvez nessa altura que a história vinícola de Cabeção nasceu. Fortaleceu-se ao longo dos séculos e permanece activa no século XXI.
Foi durante aquele século já longínquo que o perímetro urbano cresceu e empurrou a vinha para novos espaços, fora da zona de habitação. "Um deles situava-se a norte, nos Arneiros, junto à estrada de Avis, numa zona arenosa propícia ao seu desenvolvimento. Porém no início do século XVII, as vinhas dos Arneiros já eram conhecidas por Vinhas Velhas." (1) 


A oeste da vila nasciam as Vinhas Novas e, progressivamente, o vinhedo ganhou terreno ao cereal. Por essa altura nasceram as Vinhas Vermelhas. Os proprietários de terra convertiam gradualmente os campos de cereais em parcelas de vinha e passavam a pagar um foro anual ao município. Durante o século XVII a vila cresceu significativamente, chegando a ser uma das mais povoadas das redondezas, com 350 casas habitadas. No século seguintefruto deste crescimento demográfico, assistiu-se a um uso mais intenso das terras e a um aumento da área ocupada pela vinha, que passou a dominar a paisagem.

No século XVIII, a vinha continua a prosperar e, segundo os dados disponíveis, cerca de 85% das fazendas da altura tinham plantação de vinha. Desconhece-se quais as castas usadas na altura.Os actuais produtores de vinho de Cabeção consideram que as castas mais tradicionais usadas nos dias de hoje são Fernão Pires, Antão Vaz, Roupeiro, Cachudo e Tamarês na uva branca e Piriquita, Aragonês, Trincadeira e Castelão na uva preta. "Sabe-se que a casta mais frequente na Idade Média, na região estremenha era, de longe, a Labrusca, seguida pela Mourisca e a Castelã. Dado que actualmente uma das castas cultivadas na vila perpetua a Castelã, podemos admitir que a sua cultura nesta região alentejana pode remontar à Idade Média, sendo assim praticada nas fazendas dos coutos." (2) 


No ano de 1766, contavam-se 156 nomes de proprietários das 275 fazendas existentes. Os cinco maiores proprietários eram o Capitão-Mor do Alandroal, Maria João Varela, Veríssimo Xavier Traguelho Cid, Manuel Nunes da Cruz e Francisco Rasquete. Dada a sua importância económica, criou-se uma área protegida para defender os espaços cultivados com vinha, à qual estavam associadas leis municipais, comportamentos aceites como correctos e coimas para os infractores.

Talhas tradicionais como as que são usadas nas adegas de Cabeção


O vinho e os produtos dele derivados tinham dois usos. Primeiro para consumo de que os produziam e, segundo, para a população local. "Segundo um testemunho de meados do século XVIII, a fama de que gozavam os vinhos de Cabeção era causa de que fossem buscados por todas as populações circunvizinhas." (3)


No início do século XIX, grande parte do vinho produzido em Cabeção era consumido nas tabernas e em casas particulares. "Só em 1828 as licenças camarárias autorizando a venda de vinho, aguardentes, licores, azeite, pão, carne de porco e de outros produtos para o bem comum deste povo atingiram o número de onze e foram conferidas preferentemente a mulheres." (4)O declínio das vinhas de Cabeção veio com o fim do Antigo Regime e com uma quebra dramática no número de habitantes do então pequeno concelho. Das 350 casas habitadas em 1707, passou-se a 173 em 1828. A diminuição da população originou um decréscimo da actividade económica e o sector da vinha não escapou a esta vaga.

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Nos dias de hoje, continua-se a cultivar a vinha e a produzir vinho com paixão. Anualmente, na segunda semana de Dezembro, Cabeção celebra o Deus Baco na Prova do Vinho Novo que enche as ruas da Vila de de apreciadores deste néctar divino.

Fonte (1) As vinhas de Cabeção: do antigo regime até finais de oitocentos, de Maria Ângela Beirante, Câmara Municipal de Mora, 2018, p. 9

(2) Idem, p. 17
(3) Idem, p. 33

(4) Idem, p. 34

Fotos de João André Pinto e Karla Moura